(exemplo de uma sala de actividades de Reggio Emilia)
Com o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945,
na localidade de Villa Cella, próxima de Reggio Emília, surge a ideia,
por parte dos cidadãos, de se construir uma escola direccionada às
crianças mais pequenas. Esta iniciativa pôde contar com a participação
das famílias, principalmente as mães, que demonstraram grande interesse
em colaborar.
Como ponto de partida, foi utilizado um
terreno doado por um fazendeiro. De seguida, com o objectivo de reunir
fundos para a construção da escola, foram vendidos os tanques de guerra e
os cavalos que tinham sido deixados para trás após o fim da guerra,
embora o valor reunido não tivesse sido suficiente para tal obra.
Para colmatar a falta de dinheiro, foram
aproveitados os destroços de casas bombardeadas, tais como os tijolos e
as vigas, para a construção da escola. Aproveitou-se também a areia do
rio e a mão –de – obra proporcionada pelos sobreviventes da guerra, que
trabalhavam noite e dia na construção da escola.
O grupo de cidadãos aqui envolvidos teve
como principal objectivo proporcionar um outro tipo de oportunidades às
crianças que levassem a que estes tivessem mais sucesso escolar
(Formosinho, 2007,p.95).
Neste modelo curricular, o trabalho é
realizado de uma forma colaborativa entre os pais, os cidadãos e os
professores que leccionam nas escolas.
Loris Malaguzzi, ao observar o trabalho
efectuado, ficou de tal maneira surpreendido que acabou por se envolver
no movimento de cooperação e colaboração que unia os elementos desta
comunidade. Foi com a orientação de Malaguzzi que, posteriormente, se
organizou um trabalho de equipa de compreensão e conhecimento das
crianças, das suas necessidades e dos seus interesses, tendo sido este o
ponto de partida para o desenvolvimento educacional de Reggio Emília.
Durante este período em que se resolviam
questões conceptuais, os professores enfrentam sérios problemas de
pobreza. Para além dos problemas de casa um foram surgindo outros
relacionados com as dificuldades de comunicação entre professor e
alunos, que se devia em parte ao dialecto regional que se encontrava
fortemente inculcado na cultura das crianças. Para tentar resolver este
problema, foi pedida a ajuda dos pais das crianças que, em conjunto com
os professores, uniram esforços e conseguiram ultrapassar (Formosinho,
2007, p.95).
Com efeito, este tipo de trabalho de
grupo é um dos pilares do modelo de Reggio Emília, pois existe um
sentimento e uma vivência de comunidade educativa onde todos (crianças,
professores e famílias) têm algo a ensinar e algo a aprender.
Em 1963, surgiu a primeira escola
municipal, tendo acabado com um certo “domínio” que as instituições
privadas católicas tinham sobre a educação de infância em Itália.
Foi pelo facto de se tornar necessário
dar a conhecer o trabalho realizado nestas escolas que, uma vez por
semana, estas eram transportadas para a praça da cidade. Crianças,
professores e instrumentos de trabalho eram levados para vários pontos
da cidade com o objectivo de se realizarem actividades que todos
pudessem ver, de modo a ser justificado o investimento feito pelo
município na educação das crianças pequenas. Este investimento tem
acompanhado o desenvolvimento da experiência educacional de Reggio
Emília, constituindo uma das características deste modelo pedagógico que
ainda hoje subsiste mostrando hoje um grande sucesso a nível europeu.
Este modelo curricular assenta sobre a
construção da imagem da criança, que aqui é encarada como sendo um
sujeito com direitos, competente, um aprendiz activo que está
continuamente a construir e testar teorias sobre si próprio e o mundo
que o rodeia. No entanto, esta mesma imagem está constantemente a ser
reconstruída, assim como as implicações desta para as práticas
educacionais, pois serve de orientação às pesquisas e às investigações
teóricas e práticas que a equipa educacional tem desenvolvido desde a
fundação deste modelo até à actualidade. (Formosinho,2007, p.99).
Loris Malaguzzi (e os seus seguidores)
foram orientados por uma procura de informação e formação incessante, o
que fundamenta e molda a pedagogia praticada nestas escolas. Assim
sendo, são inúmeras as influências teóricas e as referências culturais
que suportam o modelo pedagógico de Reggio Emília. (p.99)
As diferentes teorias e escolas de
pensamento eram lidas e interpretadas criticamente por Malaguzzi e a sua
equipa, que pretendiam adaptar e contextualizar as ideias e premissas
que se enquadravam melhor na filosofia educacional, nas crenças e nos
valores que preconizavam.
As principais influências que suportavam
o desenvolvimento do modelo curricular de Reggio Emília foram: nos anos
50, estavam incluídos os nomes de Rousseau, Locke, Pestalozzi, Froebel,
a escola activa de Bovet e Ferrière e a escola de Chicago de Dewey.
(Formosinho,2007,p.99)
Com a chegada dos anos 60, surge em
Itália uma nova consciência acerca da educação de infância que passa a
ser reivindicada como sendo um serviço social. Nesta década, foram
notórias as influências das teorias de Dewey, Claparède, Decroly,
Freinet, Wallon, Dalton, Erikson, Piaget, Vygotsky e de Bronfenbrenner.
(Formosinho, 2007, p.99)
O início de uma fase experimental é
marcado pelo recurso a pesquisas e estudos de várias teorias
psicológicas fora do país. A comprovar este mesmo recurso está a visita
de Malaguzzi ao Instituto Rousseau e à École des Petits de Piaget, em
Genebra. Estas mesmas visitas provocaram uma transformação no que diz
respeito ao trabalho de equipa dos professores, que preferiram exercer
um trabalho com conceitos matemáticos, tais como os números, e as
percepções. Estas experiências lógico – matemáticas realizam-se
diariamente ao jogar, negociar, pensar e falar com as crianças.
Quanto às teorias de Piaget (e mais
precisamente, a epistemologia genética) no desenvolvimento da
experiência de Reggio Emilia, desempenharam o seu papel na medida em
que, à semelhança de Piaget, em Reggio Emília crê-se que a criança tem
um papel activo na construção do conhecimento do mundo, que não são
estáticos e permitem, na sua maior parte, a aquisição de novos
conhecimentos através de acções que necessitam de planeamento,
coordenação de ideias e abstraccionismo. No entanto, estas teorias
também foram criticadas, sendo as criticas direccionadas à forma como o
desenvolvimento cognitivo, afectivo e moral são tratadas separadamente,
ao grau de importância que é dado às estruturas dos estádios de
desenvolvimento, à pouca valorização do papel do adulto no processo de
aprendizagem, ao distanciamento entre pensamento e linguagem, à
importância dada ao pensamento lógico – matemático e também ao uso
excessivo de paradigmas das ciências biológicas e físicas. (Formosinho,
2007, p.100)
Outra das influências sentidas no modelo
de Reggio Emília foi a de Vygotsky. Este defendeu que o adulto
desempenha um papel muito importante ao ajudar as crianças a usar o
nível máximo das suas capacidades, atingindo níveis de desenvolvimento
que, nesse momento, não seria capaz de atingir pelos próprios meios.
Na década de 70, fizeram-se sentir as
influências de teóricos como Wilfred Carr, David Shaffer, Keneth Kaye,
Jerome Kagan, Howard Gardner, Serge Moscovici, Charles Morris, entre
outros. No entanto, as mudanças despoletadas por estas influências só se
tornaram possíveis com o auxílio de vários debates e reflexões com
outros profissionais da educação de infância, de diversas
nacionalidades. O contacto com as várias teorias e propostas
pedagógicas, filosóficas, sociais, artísticas e políticas suportou o
desenvolvimento da experiência educacional de Reggio Emília, o que fez
com que esta adquirisse especificidade e unicidade, reconhecidas na
comunidade científica internacional. Esta unicidade prende-se com o
papel da dimensão estética, transversal à pedagogia praticada em escolas
com este tipo de abordagem.
Essa dimensão estética é notória através
do cuidado na construção do ambiente, como por exemplo, no mobiliário,
nos objectos e materiais, nos locais onde se realizam actividades, na
inclusão do atelier como sendo um espaço que permite o desenvolvimento
de múltiplas formas de expressão – “as cem linguagens”, na escuta atenta
das crianças, na documentação pedagógica de processos e produtos das
experiências utilizadas para a aprendizagem – nos espaços mais
direccionados para a introspecção, que ultrapassam a função da
visibilidade e também no conhecimento adquirido, ligado à “pedagogia das
relações”.
Malaguzzi salientou a relevância da
estética do conhecimento no processo de ensino e aprendizagem deste
modelo curricular, pois, ao serem feitas coisas que nos agradam e que
também agradam aos outros, somos tomados por um estado de espírito
denominado por vibração estética, que nos leva “a melhorar as
construções da nossa sensibilidade interpretativa e criativa, a
descobrir os valores e os efeitos do prazer que suscitam em nós e nos
outros: um “atrevimento” para seduzir e serem seduzidos” (Malaguzzi
(2001) citado em Formosinho, 2007, p. 101).
O grande desafio que se colocou á escola
e à educação foi a procura de meios para apoiar as crianças na vivência
da sedução estética. Foi este o desafio que guiou Malaguzzi e a sua
equipa, ultrapassando assim as dimensões pedagógicas desta abordagem
para a educação de infância.
in: Modelos Curriculares para a Educação de Infância
Da destruição surge um sonho: uma pequena escola
Era o fim da Segunda Guerra Mundial. Tempos terríveis; para todo lado que se olhava, a única coisa que se enxergava era destruição, fome, ruínas e pobreza. A guerra acabou, mas não tirou a dor dos que ali viviam. O que esperar dessas pessoas que ficaram olhando toda aquela devastação? E os sentimentos de derrota, medo e indignações?Foi neste espírito de derrota em meio à destruição que muitas mães de uma pequena cidade italiana – Reggio Emília – sonharam um mundo melhor para seus filhos: uma escola!
Em uma terra doada por um fazendeiro, foi lançada a semente desse sonho. Juntas, aquelas mães venderam um tanque de guerra e os cavalos deixados para trás pelos soldados, mas não era suficiente. Todos os recursos que elas tinham estavam em seus arredores, ou seja, nada é o que normalmente pensamos. Pois essas mães visionárias retiraram desse nada tudo o que precisavam para consolidar esse sonho. Das casas bombardeadas foram retirados os tijolos e vigas. O rio também contribuiu, doando de seu leito a areia; e os sobreviventes da guerra ajudaram trabalhando noite e dia para a construção de uma escola para crianças pequenas. E a semente do sonho foi lançada no terreno doado pelo fazendeiro.
O maior ensinamento que passaram a seus filhos foi o de reconstruir a partir das ruínas em que, aparentemente, encontravam-se suas vidas. Esse é o verdadeiro sentido de coletividade e união para se alcançar um objetivo – e nesse espírito a escola foi formada e estruturada. Todos participam e contribuem: os pais, os comerciantes e a sociedade.
Essa escola é inovadora: os pais fazem parte da escola, ajudam no planejamento e até participam de algumas aulas. Os eventos são organizados pelas famílias, professores e alunos, com o objetivo de integração e coletividade, mostrando a essas crianças que a escola é uma continuidade de seu lar, tornando-as uma grande família e intensificando o papel sócio-cultural que ela ocupa na sociedade.
Um dos aspectos que mais chamam a atenção é a abordagem de ensino que adotaram na escola. Usa a linguagem da Arte – que é inerente na criança – para extrair seus pensamentos, desejos, inquietações, e ajudar a dar significados e sentido ao mundo em que vivem, e suas questões. Após esta coleta de informações fornecidas pelas crianças, pais e professores se reúnem e elaboram o planejamento das aulas.
Essas crianças passam a pesquisar o tema, vão às ruas observar, investigar, experimentar e depois voltam à escola para se expressar da melhor forma que sabem, por meio de símbolos artísticos, como desenho, esculturas, pintura, etc. As atividades são exploradas ao máximo, até que a criança se dê por satisfeita. Quando elas não conseguem se expressar como gostariam, são encorajadas a refletir e recomeçar. Assim como aconteceu com aquelas mães logo após a guerra!
Essas crianças têm se mostrado tão criativas e competentes que já existem exposições pelo mundo afora com suas produções artísticas. Suas competências não são exploradas apenas no mundo da arte, muito pelo contrário; a arte é o meio que os professores usam para introduzir outros conhecimentos.
A abordagem da Escola Reggio Emília mostrou sua eficácia e se multiplicou dentro da cidade. Hoje este município adotou essa abordagem em suas escolas. Essa eficácia se revelou ao mundo e tem se propagado por ele. Já existem diversas escolas nos Estados Unidos e Europa: infelizmente não sei de nenhuma escola no Brasil que use essa abordagem.
Elisa de Mello Kerr Azevedo
Artigo escrito para a disciplina de Filosofia 2006
do curso de pedagogia sob orientação do prof. Jarbas Novilo Barato